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O Efeito Catastrófico da Indiscriminada Onda de Demissões na Logística e no Supply Chain

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O título parece exagerado, não é? Sim, a princípio pode parecer. Mas ao final deste artigo, faça uma pausa para reflexão e chegue às suas próprias conclusões. Nunca antes na história deste país vimos tantas boas pessoas serem demitidas. Nunca mesmo!

 
Será que as empresas adotaram critérios racionais para enxugar seu quadro de pessoal, ou simplesmente passaram uma régua na lista de colaboradores, levando em conta seus salários, encargos sociais e benefícios?

Será que havia mesmo a necessidade dessa redução de pessoal, ou utilizaram o momento atual como forma para viabilizar cortes planejados anteriormente?
 
Profissionais extremamente capacitados, dedicados e apaixonados pelo que faziam foram demitidos nos últimos meses. Tudo aquilo que foi difundido nos meios acadêmicos e empresariais ao longo dos últimos anos, principalmente por aqueles “gurus” pirotécnicos que transformam temas comportamentais em verdadeiros mantras, está sendo coloque em “xeque”!
 
Questionamos se aquilo que foi disseminado por revistas e websites especializados em RH, coachs e celebridades do mundo empresarial não passava de uma nova versão da Disneylândia para adultos?
 
Aplique seu check-list:
- será que esses profissionais não “vestiam a camisa” da empresa? Não eram movidos por paixões?
- será que esses profissionais não traziam resultados para a sua empresa? Não contribuíram para os milionários lucros de suas corporações nos tempos de bonança?
- será que não se dedicaram, fielmente, aos propósitos da empresa? Não estavam alinhados com seus valores, missão e visão? Não se comportaram de forma ética? Não estiveram abertos à contínua necessidade de mudança dada a dinâmica do mercado?
 
Pois é. Conheço muitos deles, e a grande maioria responderia positivamente a qualquer um desses questionamentos. Cumpriram, de verdade, todos os mandamentos da cartilha. Estavam todos focados em resultados; vi em seus olhos o brilho diante do desafio. Atuaram de forma proativa, e inovaram em diversas frentes. Contribuiram com novas técnicas de gestão. Foram fundamentais na implantação de novas tecnologias. Desenvolveram pessoas e sucessores para os cargos chave da empresa. Treinaram e foram treinados. Estabeleceram laços consistentes com outros departamentos, com clientes e fornecedores.
 
E agora? Será que seus substitutos atuarão com a mesma devoção e comprometimento? Estarão ali para superar os intermináveis desafios diários? Estenderão sua jornada de trabalho para além do expediente normal? Levarão serviço para casa?Trabalharão sábados e domingos sem pensar em horas extras? Colocarão seus familiares em segundo plano e priorizarão a empresa? Apostarão longos anos de suas vidas no desenvolvimento de uma sólida carreira profissional? Manter-se-ão fiéis às suas empresas como suplicam os profissionais de RH?
 
E a história acumulada por esses colaboradores demitidos? Como será compartilhada e transmitida às novas gerações?
 
Perdemos não apenas excepcionais profissionais. Perdemos uma importante parte da história, não só da empresa, mas de toda logística e supply chain. Pessoas que acumularam anos de experiência, e que acompanharam toda a evolução da área ao longo desses últimos 20 anos. Pessoas brilhantes que fizeram as coisas acontecerem, e que transformaram a logística e o supply chain.
 
Falamos de pessoas que vivenciaram a espiral inflacionária e a transição para uma nova realidade com o Plano Real, a falta de produtos nos anos 90, a desordenada ampliação do portfólio de itens ao longo dos anos 2000 e a última década, a imposição de restrições à circulação de veículos nas grandes cidades, o aumento de mais de 600% no diesel desde 1995, a instituição de novas legislações regulatórias, o advento e a maturidade dos sistemas TMS e WMS, o desenvolvimento embrionário dos processos de S&OP, etc, etc e etc.
 
Em todos os níveis perdemos bons profissionais. Foram (e estão sendo) demitidos diretores, gerentes, coordenadores, analistas, assistentes, supervisores, líderes, motoristas, conferentes, separadores, etc. É como se a corrente tivesse se rompido em diversas partes ao mesmo tempo, e esses elos nunca mais fossem retomados. Como funcionará um Supply Chain com uma corrente toda quebrada?
 
Um bom profissional leva mais de 10 anos para se formar. Custa caro. Demanda tempo. Resulta de uma combinação de conhecimento técnico, aprendizado prático e mudanças comportamentais. Bons líderes conseguem acelerar esse processo de formação, mas, grande parte disso foi e está sendo perdido. O que e de quem essa nova geração receberá de herança?
 
Nos próximos anos as empresas sofrerão as consequências de suas atitudes precipitadas e mal calculadas. Não entregarão no prazo como vinham fazendo. Seus pedidos apresentarão um maior índice de itens faltantes. Seus estoques aumentarão. Tecnologias implantadas serão parcialmente utilizadas. Os custos de atendimento serão maiores.
 
Não que seus substitutos não consigam dar conta de tudo, mas vai demorar para isso aparecer. Até lá contabilizaremos muitas perdas. Talvez chamem de volta muitos desses profissionais assim que as coisas melhorarem. Tudo é possível!
 
Só não será possível estar imune aos efeitos perversos e desastrosos da perda de capital humano na área de logística e supply chain. O preço dessas decisões precipitadas ainda está por vir. E vai custar caro, muito caro!

Marco Antonio Oliveira Neves

Graduado em Administração de Empresas pela FGV-SP e pós-graduado em Administração da Produção e Finanças no CEAG da FGV-SP. Diversos cursos de extensão em Logística no Brasil e no Exterior. Atuação em empresas como Goodyear, Cia Cervejaria Brahma (atual Ambev), Cervecera Nacional, Ryder Logística e Deloitte Consulting. Desde 2003 é Diretor Presidente da Tigerlog Consultoria e Treinamento em Logística Ltda. e da Guepardo Serviços Técnicos. Palestrante em diversos eventos no Brasil e no Exterior (em mais de 10 países). Atua como consultor em logística (mais de 280 projetos realizados) e como palestrante. Nos últimos dez anos treinou mais de 28.500 profissionais de 3.500 diferentes empresas em diversos cursos abertos e in-company. É colunista da Revista Mundo Logística e da Revista Quatro Rodas, além de autor de mais de 450 artigos e de dois livros na área.