RISCO SOCIAL NA GESTÃO DE RISCO CORPORATIVA
- Escrito por Pablo Perez Hoyer
- Publicado em Gestão de Riscos
- Lido 75192 vezes
- tamanho da fonte diminuir o tamanho da fonte aumentar o tamanho da fonte
- Imprimir
Este artigo expõe de forma esclarecedora o recente conceito do risco social com viés aos Empreendimentos que geram impactos na sustentabilidade de uma região, resultante de carências, contribuindo e acentuando a degradação das condições de vida da sociedade.
Podendo ser expressas nas condições de habitabilidade e subsistência, ou seja, a defasagem entre as condições atuais de normalidade e o mínimo requerido para o desenvolvimento humano e qualidade de vida, como o acesso aos serviços básicos de saneamento, água potável, coleta de lixo, saúde e segurança, podendo incorporar, em curto prazo, avaliações das condições de emprego e renda.
A extrapolação destes serviços públicos básicos gerada pelo estabelecimento de um Empreendimento em regiões com perfil de restrições, trará consigo uma série de fatores de risco que poderão gerar reações indesejadas da população e organizações locais, as quais possuem força suficiente para impactar sobremaneira no negócio e operação do Empreendimento, podendo inclusive causar a paralisação das atividades.
A proposta deste artigo é apontar pontos relevantes a serem tratados para mitigação destes riscos sociais, apontando prioridades das ações, identificação dos principais atores e percepção da população, prospectando quadros críticos, fornecendo assim subsídios para a escolha de caminhos estratégicos de Empresas que se adequem a este perfil.
A estratégia utilizada é a de estudo de caso real, realizada no Estado do Amapá e Pará, envolvendo observações in loco, percepções e entrevistas qualitativas semiestruturadas para identificar valores regionais prospectando possíveis condições de operacionalização socioeconômicas causadas com a instalação de uma Hidrelétrica.
DESENVOLVIMENTO
Ambientação Contextual
Podemos definir risco social como exposição de um Empreendimento a impactos causados pela sociedade no negócio ou os impactos do negócio na sociedade, referenciados ao ambiente externo da Empresa. São riscos inerentes ao agravamento do contexto socioeconômico existente, que se não tratados da maneira adequada, podem ser concretizados. Avaliando friamente, a maioria dos riscos possui correlação com aspectos sociais, como afirma Veyret (2007, p. 11): “Não há risco sem uma população ou indivíduo que o perceba e que poderia sofrer seus efeitos. Correm-se riscos, que são assumidos, recusados, estimulados, avaliados, calculados. O risco é a tradução de uma ameaça, de um perigo para aquele que está sujeito a ele e o percebe como tal.”
Os riscos sociais carecem sempre de uma abordagem multidisciplinar, pois implicam uma pluralidade de atores e resultam da combinação de um grande número de variáveis, particularmente difíceis de serem consideradas ao mesmo tempo. Para entender esses riscos e contribuir para a formação de políticas de prevenção, é necessária a integração de diversos campos do saber, como a história, as ciências políticas, os direitos, a sociologia, entre outros.
Frente à implantação de um Empreendimento vultoso em uma região carente de infraestrutura, surgem algumas variáveis ocasionadas pelo lastro demandado de um projeto desta magnitude. A surgência de riscos sociais acontece normalmente pela potencialização de quadros socioeconômicos de uma região, sejam elas políticas, culturais ou sociais, estando intimamente ligadas ao processo de transformação e de sustentação da sociedade com diferentes visões sobre sustentabilidade, gerando a perda da qualidade de vida ou afetando a subsistência de uma Comunidade, os quais podem potencializar riscos sociais e de segurança para o Empreendimento.
O modelo de região avaliada no estudo de caso possui uma dinâmica urbana peculiar que apresenta na sua configuração urbana cenários de desenvolvimento desgovernado, coadunando a escassez das condições de urbanização e qualidade de vida, possuindo características típicas de cidades emergidas em periferias, com limitada infraestrutura de saúde, segurança e saneamento. A grande problemática destes municípios é a falta de gestão urbana, consolidada com a falta total de políticas de ocupação, interferindo na morfologia urbana da região. O modelo de gestão praticada nestes municípios é pautado em políticas assistencialistas, mediatistas e sem elo de integração, estando atrelados prioritariamente, a projetos estaduais e federais.
Riscos Sociais - Pontos Relevantes
Os riscos sociais para este modal de Empreendimento normalmente se coadunam, sendo abaixo relacionados alguns riscos sociais positivos e negativos inerentes a implantação de uma Hidrelétrica (por exemplo) neste cenário:
Positivo: Aumento da Massa salarial, Dinamização das relações sociais, Aquecimento da economia local e Aumento da oferta de energia.
Negativo: Atrito com a população; Desestruturação dos laços comunitários; Perda da qualidade de vida; Aumento da AIDS / DST; Aumento das doenças transmissíveis / infecciosas / endemias; Sobrecarga da infraestrutura local; Aumento de acidentes rodoviários; Perda de áreas de moradia e de valor simbólico; Acidentes com animais peçonhentos; Aumento de acidentes hidroviários; Qualidade da água; Perda de produção da Pesca; Indução à ocupação e circulação em trechos isolados; Aumento da violência Urbana; Aumento da Prostituição; Aumento do tráfico de drogas e o Aumento da Poluição Pública.
Podemos vislumbrar acima a existência de riscos positivos, expostas propositalmente para permitir a compreensão da necessidade de incutir na população de forma estratégica, uma mentalidade compensatória de vantagens e ganhos com a chegada do Empreendimento, forçando a desconsideração ou assimilação das perdas causadas quando comparada aos resultados auferidos.
Quanto aos riscos negativos, gerados ou potencializados pelo Empreendimento, deve-se trabalhar de forma a minimizar impactos, trabalhando pró ativamente em convênios, parcerias e apoios ao sistema governamental nos vetores socioeconômico, principalmente a vertente de saúde, segurança e educação onde comumente percebem-se os maiores focos de impactos, desenvolvendo ainda ações sociais em benfeitoria à população local, com prioridade as comunidades diretamente afetadas pelo projeto.
Principais Atores
O trabalho de levantamento e identificação dos atores de maior relevância no contexto estratégico deve ser realizado considerando seu grau de liderança, força de persuasão, aderência e aceitação dentro de Organizações, Associações, Sindicatos e Governo. Para avaliação devemos seguir dois critérios, Influência e impacto. O critério da influência é verificar o nível que cada ator possui, tanto negativa como positivamente, inferindo mudanças substanciais no contexto. O critério do impacto é o nível de magnitude que os atores possuem no caso de sua influência ser concretizada. Em uma segunda fase deve ser realizado o cruzamento atores x riscos, a fim de verificar a motricidade de cada um avaliando seu grau de influência frente a cada risco, obtendo então uma fotografia para priorização de tratamento.
Quadros Críticos
Em função dos paradigmas produtivos, o conceito de desenvolvimento permaneceu durante muito tempo associado ao crescimento econômico sem considerar as várias formas dos sistemas sociais, políticos e culturais. Era suposto que o aumento de riquezas poderia melhorar as condições de vida da população, embora conceitualmente, desenvolvimento e crescimento não tenham o mesmo significado, podendo, inclusive, serem conduzidos de forma oposta. De certo modo, esta visão dissocia-se da realidade, pois nela é enfatizada apenas a geração de riquezas, não havendo condução de ordem social e cultural, em que a premissa básica estava na tentativa de aumentar o bem estar social por meio de processo de industrialização que objetiva a produção de bens e serviços para atender às necessidades da sociedade. Esta relação conflitava com o uso de recursos naturais, cujas externalidades negativas pouco ou nunca eram avaliadas.
Neste contexto, percebeu-se que o desenvolvimento deveria ter conotação que ultrapassasse o aspecto econômico, incluindo o governo, além dos atores sociais e privados. Tal enfoque também não foi suficiente, pois nem sempre respeitava as particularidades locais e outras dimensões consideradas indispensáveis para se atingir o desenvolvimento, devido às características centralizadoras do planejamento realizado pelos governos.
A visão do crescimento social e econômico da região trará consigo mudanças no cotidiano das cidades e vilas, as quais passarão a mudar seu foco de sustento balizado nas atividades do Empreendimento.
Há ainda uma questão cultural a ser relevada, onde o respeito à cultura de cada local é fundamental para obtenção de agregação e aproximação com a população, garantindo continuidade e equilíbrio entre a tradição e a inovação.
A limitação de infraestrutura e logística da região destaca-se com a necessidade de recursos materiais e não materiais, onde deve-se objetivar e planejar junto ao Governo, uma maior equidade na distribuição da renda, de modo a melhorar substancialmente os direitos e as condições da população, ampliando-se a homogeneidade social. A ação do Empreendimento neste sentido é fornecer a possibilidade de um emprego que assegure qualidade de vida e igualdade no acesso aos recursos e serviços sociais.
A restrição Demográfica das regiões muitas vezes limita o desenvolvimento, devendo ser tratada com a melhor distribuição territorial dos assentamentos humanos e atividades econômicas pelo efeito migratório causado pelo Empreendimento, onde se faz necessário melhorias no ambiente urbano, tentando superar as disparidades inter-regionais e elaboração de estratégias ambientalmente seguras para áreas ecologicamente frágeis a fim de garantir a conservação da biodiversidade e do eco desenvolvimento.
Prioridade de Ações
Diante do cenário exposto avalia-se que, diferentemente do que se pensa e executa, deve-se agir na causa de forma proativa, detectando precocemente o problema, sendo, portanto de fundamental importância às ações do setor de Comunicação Social do Empreendimento, sendo ele o responsável pela interpelação e antecipação aos riscos, incutindo, de forma gradativa, os benefícios trazidos, esclarecendo e divulgando atividades benéficas e monitorando possíveis ações e atores contrários ao projeto, os quais serão disseminadores e arrastadores de manifestações, limitando assim o escopo de tratamento e atuação. Há ainda a necessidade de um trabalho de minimização de tensão da população buscando evitar a perplexidade fomentada por falsas promessas políticas, limitando a expectativa surreal dos cidadãos, o que possivelmente acabará por causar frustações, podendo gerar um quadro pernicioso para o Empreendimento. A Comunicação Social terá um papel imprescindível na mitigação e gerenciamento dos riscos sociais, onde será o termômetro da Empresa na determinação dos focos de atuação, devendo possuir uma atitude conspiradora (conforme definição de Michael Godet).
Com base nos riscos negativos levantados, deve-se realizar a matriz de impactos cruzados para avaliar a influência de um Risco Social sobre o outro Risco Social, ou seja, leva-se em conta a interdependência entre várias questões formuladas, possibilitando que o presente estudo adquira um enfoque mais sistêmico e, portanto, mais de acordo com uma visão prospectiva. Esta ferramenta técnica tem o objetivo de buscar hierarquizar os Riscos mais determinantes e importantes entre todos aqueles identificados no estudo, determinando seu grau de motricidade e dependência. Com isso é possível trabalhar de maneira focal e determinar priorização das ações dos riscos mais motrizes, otimizando assim o atendimento das demandas críticas.
Nesta explanação, para o conceito sobre qualidade de vida, entende-se ainda a necessidade de se abordar algumas questões como lazer e entretenimento voltado para colaboradores da Empresa e população local, dando ocupações dos tempos ociosos que propulsionam ações delituosas por estes atores, mostrando ser uma excelente ferramenta de mitigação de muitos dos riscos mapeados, interferindo indiretamente na dignidade da vida humana.
CONCLUSÃO
Portanto, a contribuição deste artigo está na abordagem multidimensional do mesmo, onde as constantes mudanças e consequentes demandas regionais influenciam sobremaneira as organizações, exigindo consciência dos problemas de forma integrada, inter-relacionada e sistêmica, visando garantir a minimização de impactos criando condições mais favoráveis. Ao abordar as dimensões da sustentabilidade foi possível concluir que as mesmas estão extremamente interligadas. Na sociedade as dimensões social e cultural são responsáveis pela mudança de comportamento dos indivíduos, estando neste ponto o grande agravante de impacto na segurança Empresarial de um Empreendimento.
O trabalho a ser desenvolvido deve ser embasado no conceito do Triple bottom line (tripé da sustentabilidade) onde estão contidos os aspectos econômicos, ambientais e sociais, que devem interagir, de forma holística, para satisfazer o conceito, onde o sucesso dos negócios a longo prazo depende do que chamam “sweet spot”, ou seja, a área estratégica, coincidindo os interesses dos stakeholders (públicos de interesse: comunidade, governo, fornecedores, clientes, acionistas , entre outros) com os interesses da empresa.
Destarte, é possível dizer que os Empreendimentos estabelecidos nestas regiões críticas devem trabalhar pro ativamente sobre os riscos sociais, de forma a reforçar os laços da empresa com a sociedade, governo e atores relevantes objetivando entender expectativas e limitações estruturais dentro do contexto estratégico, estimulando uma busca constante pela consolidação do desenvolvimento, passando pelo processo de amadurecimento das instituições públicas ou privadas e da sociedade.
Pablo Perez Hoyer
Oficial do Exécito Brasileiro durante 9 anos coordenou grandes equipes na execução da segurança orgânica do Batalhão, além de missões operacionais, trabalhos administrativos e de formação dentro da Instituição, exercendo cargos e funções de alto grau de complexidade. Trabalhou na Consultoria Brasiliano & Associados como Consultor Pleno focado em risk Assesment, planejando sistemas de segurança integrado, políticas estratégicas de proteção á continuidade dos negócios, analisando os problemas na sua origem, avaliando alternativas e propondo soluções pontuais aos riscos, elaborando planos de segurança, contingências e plano Operacional para o dia à dia das Empresas contratantes, prestando assessoria e consultoria para efetivação das melhores práticas de segurança. Atualmente, atua como Gerente Operacional na área de gestão de risco e investigação pela Empresa Pinkerton, sendo um especialista em melhoria da segurança.